segunda-feira, 19 de março de 2018

CENTENÁRIO DE NELSON MARTINS DE ALMEIDA


"A função do Historiador é trazer à vida, 
a análise dos fatos já passados, 
dentro de uma pequena ou grande extensão de tempo".

Nelson Martins de Almeida

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Já com idade avançada, vejo meu pai. Quieto, absorto nas leituras, sempre concentrado em seus pensamentos. Ora lê. Ora escreve. Pouco fala. A audição e os passos lentos lhe dão sinais da longevidade, mas a mente mostra lucidez aguçada, que o tempo não corrompe.

Historiador. Narrador incansável dos fatos históricos, muitos dos quais vividos e vivenciados. A história em sua mente sempre pronta a ser resgatada. 

Novelos de linhas intermináveis alinhavam e tecem os mais belos álbuns dos municípios - Araras, Rio Claro, Araraquara, Leme... 

Figuras ilustres ocupam lugar destacado em seu fazer História – Dr. Oscar Ulson, do qual detinha admiração e apreço ímpar, dado a historiador que emprestara grande colaboração na obra “Álbum de Araras”, edição 1948, Dr. Armando de Oliveira Salles, Maestro Francisco Paulo Russo, Ignacio Zurita Junior, Martinho da Silva Prado, Amadeu Salviato, Carlos Viganó. Tantos outros. Tantos...

Leitor perspicaz, a memória não o condena. O passado, no presente, está sempre a colocar na pauta do dia. Nem ao menos uma vista além de um ponto lhe passa despercebida. 

Os livros - paixão sempre presente. Interessado pela leitura e pelo transmitir o gosto e o saber de sua importância, tem no interesse da nova geração o galardão maior. Ademais posso deste maneira poética, colocar meu olhar sobre si e declinar:



São poucos os que se sentam para ouvir histórias.
São poucos os que se dedicam a contar histórias.
Por serem poucos, são raros e necessários.

(na foto a neta Rafaela aos 2 anos e Vitória - interessadas na leitura - )



Meu pai – Nelson Martins de Almeida – observador, pesquisador inquieto e realizador de obras magnas que a história pode registrar, amante das letras e das linhas, das pesquisas e da narração, forjou minha vida entre livros. Legou-me o prazer pelas linhas. O gosto pelos livros. O recolher dos retalhos. O amealhar lembranças. O registrar memórias. O contar histórias. Vasto material inédito. Herança incalculável, desde tenra idade me fora incutida.  E posso poemar :

Entre livros nasci. 
Entre livros me criei. 
Entre livros me formei. 
Entre livros me tornei.
Enquanto lia o livro, lia-me a mim o livro.
Hoje não há como separar: 
o livro sou eu 
- bibliotecária por opção, paixão e convicção. 

MEU PAI


Começo por identificá-lo segundo o nome, o qual lhe trazia enorme satisfação, tanto pelo prenome, quanto pelo nome – Nelson Martins de Almeida. 

A partir deste momento, adjetivos podem incorporar à sua identidade: reservista da Academia Militar da Força Aérea, jornalista, historiador autônomo, ademais, esposo, pai exemplar que a mim deixou exemplos de figura íntegra em todo seu contexto familiar, profissional, âncora para o meu sentir e viver numa época em que percebemos a inversão tão grande de valores. 

Meu pai - meu verdadeiro "HERÓI".

O pai Alfredo Martins de Almeida, português do Porto, caráter firme e rígido, sob formação em contabilidade, inspirou-lhe as primeiras letras, mas, contingências adversas,  não o acompanhou em sua trajetória de vida. 

A mãe italiana Ida Colaviza de Almeida cedo apartara da presença do filho, acometida de distúrbios que a confinaria em hospital, donde jamais sairia. 

Assim, crescia o filho Nelson aos cuidados da tia paterna Ana Martins de Almeida a qual veria grande valor no sobrinho, agora sob seus cuidados. 

Contava então o garoto com a tenra idade dos seus 9 anos. E detenho-me a buscar pelo teu nome - Nelson - e vou ao encontro de um olhar, através do meu próprio olhar, que a ele me irmano:

“O nome é como um vestido que não nos pertence. Ficamos nus debaixo do nosso nome, ainda mais nus do que a criança que o pai levantou do solo, para dar-lhe o nome. E quanto mais enchemos de ser ao nome, mais estranho ele se torna, mais independente de nós, mais desamparados ficamos nós mesmos. Emprestado é o  nome que usamos, emprestado o pão que comemos, emprestados somos nós, desnudos, mantidos dentro de um mundo estranho e somente quem se despojar de qualquer ouropel emprestado há de avistar a meta, será chamado à meta, para que se reúna definitivamente com seu nome”. 

Hermann Broch – in “O olhar de Borges”. 

Nascido na cidade de Araras, Fazenda Campo Alto, quando o pai prestava serviços contáveis, mais precisamente, guarda-livros, pela época, ali passara parte de sua infância, o que lhe possibilitaria lembranças memoráveis, as quais seriam resgatadas em tempo oportuno.

O Álbum de Araras - obra prima e magistral - viria nos anos 1948, seguidas de outras mais : Álbum de Araraquara, Álbum de Rio Claro (este último a mim presenteado duplamente - quando do meu nascimento e quando da entrega à municipalidade, daquele que se tornaria a história ímpar da cidade de Rio Claro). 

Nelson Martins de AlmeidaE crescia o jovem entre os estudos a que se aplicava e os cuidados da tia e zelo dos primos que logo formariam vínculos permanentes, até a saída para o serviço militar, donde lhe reservariam dois anos de experiência as quais forjariam sua conduta pessoal, profissional e familiar, a despeito da formação da casa, dos livros contáveis a que o pai em algum momento lhe reservara apontamentos.

Alguns fragmentos de livros que o pai lhe conduzira, sempre os trazia consigo, embora não se entusiasmasse ao estudo técnico das escritas numéricas.

Em si manifestava o gosto pela escrita, o que o levaria a compor vasta bibliografia que se pode compor a partir dos dados que fomos coletando através dos seus trabalhos.

Memória viva e salutar manteve dos seus pais – muito cedo apartados de sua presença.

Vez ou outra comentava sobre sua estada na Academia Brasileira da Força Aérea, no Rio de Janeiro. Foram-lhe dois anos de afastamento familiar, recluso entre aprendizagem e o trabalho que desempenhava na administração da Instituição Militar da Aeronáutica.

Desenvolto dentro de seu ser inquiridor, seus préstimos de datilógrafo e taquigrafo valeram-lhe privilégios acadêmicos, entretanto, não o motivaram a permanecer na entidade, como o mencionado por Hermann Broch. Avistava a meta a qual sentira-se chamado... A ela seu nome se perpetuaria...

Cedo o jovem percebera que fora chamado ao ofício das letras. Seu nome em breve se tornaria público. Deixaria os bastidores do jovem em atividade militar, para alargar fronteiras; logo lhe seriam abertas janelas que, em silêncio vislumbrava. 

O PAI SOB OLHAR DA FILHA

Palavras, olhares, sentimentos podem nos encontrar, desde que tenhamos aberto os sentidos para absorvê-los.

Olhava meu pai – o historiador, o realizador de tantas publicações, e não me encontrava memoralista, dado ao fascínio que me provocava, em tempo distante.

Sentia-me como que impossibilitada aos registros, pois afinal, era ele, meu pai, o escritor, detentor de prerrogativas tais, a meu olhar de filha, que me distanciavam do fazer linhas, mesmo a despeito dos comentários elogiosos e notas significativas do professor Bertolino, no colégio na década de 1960, a referir-se a mim o escrever tão bem quanto ao pai, do qual ele era admirador incondicional.

Jamais nos distanciamos em presença física, tampouco em transmissão de conhecimento. Sempre nos mantivemos presentes, tanto que, ao buscar subsídios para esta composição, lágrimas encontraram-me em pura emoção. 

Sem que o soubesse encontrara em minha escrivaninha um texto em que registrava minha viagem ao sul – 1967 – com minha avó Ana e minha mãe, e  editava na Revista de Araras, em seu volume 6. A partir desse momento e nas edições que se seguiram, ao todo onze, meu nome figuraria em seu expediente como colaboradora, muito embora jamais tenha escrito qualquer texto que fosse, dado a timidez peculiar da adolescência. 

Recentemente, ao remexer velhos papéis, publicações daquela época as Revistas de Araras me encontraram e me presentearam com essas lembranças a que me refiro nestas linhas. 

Meu pai. Minha força. Minha inspiração. Comigo esteve presente durante longa jornada - você parte aos 94 anos, deixa-me então com 62. 

Meu pai. 

Neste 18 de março de 2018 você completaria 100 anos. 

Que maravilha saber que avançou o tempo, em memória, em lembranças, tão reais que, ao estar declinando estas palavras, o sorriso me salta o rosto, pois que nossas vidas foram enriquecidas pelo sentimento terno e puro de amor paterno e filial.

Gratidão maior estar aqui e saber que a ti a continuidade de propósito só a Deus pertence. 

Gratidão pela tua presença sempre constante em meu viver. Pelo legado que a nós concedeu que fora a edição da obra o "Álbum das Bandas de Araras" que, embora não tenha participado do brilhantismo da entrega à municipalidade, tudo o quanto fizemos foi como se naquele instante lá estivesse - você (meu pai) e tio Lico.

Teu nome, realmente fora escrito na História de Araras e naquela cidade em circunstância alguma será deixado de ser lembrado.

Tua obras estão disseminadas em muitos municípios. 

Estes blogs - Historiador I e Historiador II (Memoriais de Araras) permanecerão no virtual, quando então a tecnologia abre as janelas do infinito...

Por Inajá Martins de Almeida


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